Em pleno momento de grande oposição ao governo do primeiro ministro José Sócrates, apenas temos virado as nossas atenções para o descontentamento dos funcionários públicos, para o cerco aos professores, para os despedimentos um pouco por toda a parte, feitos por multinacionais em nome da falta de competitividade, no entanto não nos temos preocupado com uma classe que nos merece todo o apoio e solidariedade, os banqueiros.
Classe que tanto nos tem ajudado nas nossas necessidades básicas de adquirir tudo e mais qualquer coisa disponibilizando-nos, para isso, as mais variadas linhas de crédito das quais pagamos, muitas vezes sem nos aprecebermos, um sem fim de comissões e taxas.
A propósito, deixo aqui uma carta que foi direccionada ao banco BES, porém devido à criatividade com que foi redigida, deveria ser direccionada a todas as instituições financeiras. Reza assim:
CARTA ABERTA AO BES
Exmos. Senhores Administradores do BES
Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena
taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. Rua, ou pela
existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de qualquer
outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.
Funcionaria desta forma:
Todos os meses os senhores e todos os usuários, pagariam uma pequena taxa para a
manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico, tabacaria, frutaria,
etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito extraordinário ao utilizador.
Serviria apenas para enriquecer os proprietários sob a alegação de que
serviria para manter um serviço de alta qualidade ou para amortizar investimentos.
Por qualquer produto adquirido (um pão, um remédio, uns litros de combustível,
etc.) o usuário pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto,
até ligeiramente acima do preço de mercado.
Que tal?
Pois, ontem saí do meu BES com a certeza que os senhores concordariam com
tais taxas. Por uma questão de equidade e de honestidade. A minha certeza
deriva de um raciocínio simples.
Vamos imaginar a seguinte situação: eu vou à padaria para comprar um pão.
O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de
embrulhar ou ensacar o pão, assim como, todo e qualquer outro serviço.
Além disso, impõe-me taxas. Uma "taxa de acesso ao pão", outra
"taxa por guardar pão quente" e ainda uma "taxa de abertura
da padaria". Tudo com muita cordialidade e muito profissionalismo,
claro.
Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que ocorreu comigo no meu Banco.
Financiei um carro. Ou seja, comprei um produto do negócio bancário. Os
senhores cobraram-me preços de mercado. Assim como o padeiro cobra-me o
preço de mercado pelo pão.
Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem cobrando-me apenas pelo produto
que adquiri.
Para ter acesso ao produto do v/. negócio, os senhores cobraram-me uma
"taxa de abertura de crédito" - equivalente àquela hipotética
"taxa de acesso ao pão", que os senhores certamente achariam
um absurdo e se negariam a pagar.
Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui obrigado
a abrir uma conta corrente no v/. Banco. Para que isso fosse possível,
os senhores cobraram-me uma "taxa de abertura de conta".
Como só é possível fazer negócios com os senhores depois de abrir uma conta, essa "taxa de abertura
de conta" se assemelharia a uma "taxa de abertura da padaria",
pois, só é possível fazer negócios com o padeiro, depois de abrir a padaria.
Antigamente, os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como
"Papagaios". Para gerir o "papagaio", alguns
gerentes sem escrúpulos cobravam "por fora", o que era devido.
Fiquei com a impressão que o Banco resolveu antecipar-se aos gerentes sem
escrúpulos.
Agora ao contrário de "por fora" temos muitos "por dentro".
Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores
cobraram-me uma taxa de 1 EUR.
Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de 5 EUR "para a manutenção
da conta" - semelhante àquela "taxa pela existência da padaria
na esquina da rua".
A surpresa não acabou: descobri outra taxa de 25 EUR a cada trimestre -
uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se
eu utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo. Semelhante
àquela "taxa por guardar o pão quente".
Mas, os senhores são insaciáveis.
A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde
sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu
fizer.
Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os senhores
se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive nas
instalações do v/. Banco.
Por favor, esclareçam-me uma dúvida:
Até agora não sei se comprei um financiamento ou se vendi a alma?
Depois que eu pagar as taxas correspondentes, talvez os senhores me respondam
informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário
é muito diferente de uma padaria. Que a v/. responsabilidade é muito grande,
que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito
elevados, etc., etc., etc. e que apesar de lamentarem muito e nada poderem
fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto por lei, regulamentado
e autorizado pelo Banco de Portugal.
Sei disso.
Como sei, também, que existem seguros e garantias legais que protegem o
v/. negócio de todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria,
que não conta com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito
mais elevados.
Sei que são legais.
Mas, também sei que são imorais. Por mais que estejam protegidos pelas
leis, tais taxas são uma imoralidade. O cartel algum dia vai acabar e cá
estaremos depois para cobrar da mesma forma.
Vitor Pinheiro
P.S.: Peço desde já as minhas desculpas pela extensão do texto.
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12 novembro 2006
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